Hoje, por causa de uma reunião que tive no trabalho (com pessoas da comunidade participando também), e por causa de algumas coisas que aconteceram ali (graças a Deus não envolveu nenhum colega) devido a uma certa pessoa que apareceu sem ser convidada, eu comecei a refletir sobre emprego, profissão, carreira, enfim…como vocês preferirem chamar, e como isso está ligado a nossos pais.
Fiquei pensando nos workaholics. Essa tal pessoa que apareceu sem ser chamada é um deles. E já trabalhou no mesmo lugar que eu. Só que foi demitida. E, mesmo estando em outro lugar agora, parece que ainda não se conformou com a perda do emprego. Triste…
O caso é que essa pessoa, que vamos chamar de S., é realmente uma workaholic. Eu — por ter trabalhado com ela por quase dois anos — acho que, se ela pudesse, nunca sairia do trabalho. Não sei por que ela agia (talvez ainda aja, no seu emprego novo) assim. Penso que nossa vida tem várias facetas. Eu sou médica, mas além — e antes — disso, sou cristã, esposa, filha, irmã, amiga… E ser todas essas coisas implica que eu tenho vida além da medicina, tenho vida além do trabalho. Lembro-me de quando estava na faculdade: tudo era muito fácil, eu não precisava me preocupar com contas a pagar, casa, carro, resolver mil e uma coisas, poupança, etc. Mas muitos colegas meus lidavam diariamente com essas coisas, seja porque foram morar sozinhos ao começar a faculdade, ou porque já eram casados, às vezes até com filhos. Quando os professores nos pediam coisas demais, eles eram os primeiros a dizer: “Mas professor(a), nossa vida não é só isso aqui não!”
Você pode estar pensando: “mas eles sabiam que Medicina é um curso puxado, então que se virassem, os professores não tinham culpa de eles terem outras responsabilidades”. Sim, isso é tudo verdade. Os professores não tinham culpa. Mas os alunos também não. Moravam sozinhos? Sim. Alguns eram casados? Sim. E isso é errado? De forma alguma. Ninguém tem culpa por essas coisas. Eles eram apenas pessoas buscando seu lugar ao sol. E tinham todo o direito de fazer isso. A vida não acaba pra quem se casa (prontodesabafei kkkkkkkk).
Eu creio piamente que nossa vida pode e deve se desdobrar. Precisamos trabalhar, mas também precisamos namorar, viajar, conhecer pessoas novas, ter momentos de lazer, ter descanso físico e, acima de tudo, espiritual. Isso é necessário pra nos realizarmos plenamente como seres humanos, porque Deus nos fez assim, com todas essas facetas, como falei antes. Mas entendo que existam pessoas que, por algum motivo, acabem priorizando um ou outro aspecto de sua vida. Esse é o caso de S. Como falei, eu não sei o que a leva a ser uma workaholic. Talvez não goste de estar em casa, com o marido ou filhos. Talvez não goste de ler, ou passear. Talvez deteste viajar (antes que alguém diga: “ah, mas só dá pra fazer essas coisas se trabalhar”, eu respondo, “se trabalhar como gente normal, consegue fazer isso tudo, agora, se o negócio é se matar pra juntar dinheiro e não poder usufruir dele, interna, que pra mim já endoideceu”). Não sei, o que sei é que a mulher não ama trabalhar, ela é VICIADA nisso…
E daí? Daí nada, todo mundo tem o direito de ser viciado no que quiser: trabalho, estudo, jogos, sexo, drogas lícitas ou ilícitas, enfim… Agora, querer obrigar quem está ao seu redor, quem trabalha com você, a ser viciado também, aí é demais, né? Mas era isso que S. fazia quando era minha “colega” de trabalho. Queria impor o péssimo estilo de vida que era só dela a todos nós. E isso causava tensões e discussões. Nunca me dei bem com a tal, e ela nunca gostou de mim. Tanto que hoje, quando ela chegou, fiquei no meu canto. Uns puxa-sacos foram lá, dar abracinho e coisa e tal, mas não consigo ser tão falsa. Eu não gosto dela. Não tinha pra que ficar fazendo isso; e pra não dizer que eu estou exagerando, ela nem olhou pra mim. Mas voltemos à discussão. Ela era tão chata com as coisas do trabalho que às vezes eu achava que eu que era muito lerda, ou preguiçosa, ou irresponsável, ou isso ou aquilo. Mas graças a Deus eu tenho um esposo e pais maravilhosos, que conversavam comigo e me mostravam que não era eu que era essas coisas, e sim ela que era exagerada, e exigia dos colegas coisas desnecessárias (pra não falar de quando ela invadiu minha sala no meio de uma consulta, sem bater na porta e falando com aquela voz esganiçada dela, mas isso fica pra outro post). Graças a Deus a pessoa que a substituiu é muito diferente, e, pelo menos pra mim, hoje o ambiente no trabalho é leve!
Porém, as marcas que essa pessoa deixou levarão tempo pra se apagarem. E eu fico pensando no quão chata deve ser a vida de alguém assim, viciado em trabalho, e cujo intento é tornar todos ao seu redor tão viciados quanto. Ninguém, ninguém mesmo, merece trabalhar com megeras dessa categoria. Mas o pior são os pais que são assim, e que acabam levando os filhos a pensarem que devem agir do mesmo modo.
Aqui no blog, eu sempre tenho batido na tecla de que a gente deve ouvir nossos pais, deve se aconselhar com eles, porque são mais velhos, têm experiência de vida, e podem nos ajudar muito a enfrentarmos nossas próprias dificuldades. O próprio Deus diz, nos Dez Mandamentos, “honra teu pai e tua mãe”. Mas notem, Ele diz “honra” e não “idolatra” ou “faz tudo que eles mandarem mesmo que isso seja loucura, ou que vá contra seus princípios, ou contra Mim”. Honrar os pais é diferente de fazer tudo que os pais mandam, ainda mais quando a gente é adulto. Eles são, usando uma linguagem ‘de hoje’, os nossos consultores para assuntos da vida, mas não os ditadores.
O problema é que muitos pais, mesmo sem querer, acabam criando nos filhos a ideia de que estes têm que fazer tudo que eles fizeram, da forma que eles fizeram. E os filhos acabam mesmo seguindo esse caminho, sem sequer notarem. Portanto, filhos de workaholics tendem a ser workaholics. Eu não fiz nenhum estudo sobre isso, nem li nada na internet, mas é apenas fruto de uma pesquisa empírica. Muitos filhos acham que têm que fazer tudo que os pais fizeram, e do mesmo modo que eles fizeram. Eu, por exemplo, ainda hoje me orgulho de dizer que casei com a mesma idade em que minha mãe se casou, 28 anos, formada e trabalhando. Os filhos são assim, tendem a imitar os pais, quer seja nas coisas boas, quer nas ruins. Passam a achar que precisam mesmo fazer isso, e que, se não fizerem, existe algo de muito errado com eles.
Por exemplo, se seus pais conseguiram comprar uma casa com 2 anos de casados, e, aos 5, já possuíam dois carros, isso quer dizer que você tem que conseguir o mesmo na mesma época, certo? Se eles já tinham completado o doutorado quando você estava com dez anos, você também terá que conseguir isso quando seu filho tiver dez anos? Errado! Nada disso! Você é você, seus pais são seus pais… Outra história, outras vidas. Parece óbvio, mas às vezes não é. Tanto que a gente fica querendo agir como eles, alcançar o mesmo que eles, e quando não conseguimos nos sentimos frustrados, desafortunados, como se tivesse caído algum tipo de praga em nossas vidas. Por isso que a gente tem que ter o cuidado de não enveredar por esse caminho, coisa que, como disse antes, fazemos sem perceber. Não temos que repetir a vida dos nossos pais, não temos que realizar todos os sonhos que eles têm para nós, ou que tinham pra eles e não realizaram. E isso não é desonrá-los. E os pais têm que entender que os filhos não são deles. Foram dados a eles de presente, pelo próprio Deus, mas não são deles. Eles os recebem para amar, educar, dar carinho e incentivar, mas nunca para dominá-los, ou determinar como devem viver a vida…
Conheço uma menina que tinha o futuro todo determinado pela mãe. Ia fazer Medicina (como realmente fez, passou no primeiro vestibular, na mesma universidade que eu, terminando antes de mim, por ter entrado antes), e depois ia fazer residência em São Paulo, no mesmo hospital em que os pais dela fizeram, e já tinha até um apartamento onde iria morar, lá, do ladinho do hospital (ela morou com os pais em São Paulo um tempo, antes de se mudar pra minha cidade, e foi nessa época que adquiriram o apartamento). Eu não sei a vida dela depois da faculdade. Sei que ela se formou, mas depois disso, não soube de mais nada. Mas fico imaginando que vida terá sido a dessa menina. Ela pode até ter sido feliz um tempo, ou fingido ser. Mas ninguém aguenta viver os sonhos de outro o tempo todo. Temos que viver os nossos, mesmo que não sejam o que nossos pais um dia sonharam, ou o que nossos amigos imaginam ser o melhor pra nós. Precisamos nos desvencilhar dos nossos pais nesse sentido — não deixar de amá-los ou respeitá-los, mas entender que precisamos viver nossas próprias vidas, não necessariamente tendo que fazer tudo que eles fizeram, na mesma época e do mesmo modo que eles fizeram….
Talvez alguém pense que é fácil pra mim dizer essas coisas, porque meus pais sempre foram muito sábios e compreensivos quanto a isso. Mas para quem sente que os pais, mesmo sem notarem, estão agindo dessa forma, não custa nada ter uma conversa franca e amigável, expondo seu ponto de vista sobre o assunto e mostrando pra eles que, no fundo, você busca o melhor pra você, o seu sucesso, tanto quanto eles. Talvez você não tenha o mesmo carro chique que eles, talvez você não seja um workaholic e prefira dar prioridade a outras coisas na vida que não o trabalho, talvez você nunca venha a ter uma casa luxuosa como a deles, talvez você tenha uma vida mais simples. E isso não quer dizer que você não tem respeito a seus pais. Mas sim que você quer ter sua própria vida, e deseja apenas ser feliz.